Foi para ti
que desfolhei a chuva...
para te soltei o perfume
da terra
toquei no nada
e para te fui tudo.
Para te criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre...
Para ti dei voz
às minhas mãos
abrir os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida.
Mia Couto "Raiz de Orvalhos e Outros Poemas"